Artigo: A fé é escuta, é busca e é encontro com o Senhor

24/01/2010 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

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Estamos no terceiro domingo do tempo comum. As leituras deste domingo são um verdadeiro hino que marca a relação entre Deus e o seu povo, chamado a proclamá-la, escutá-la e acolhê-la. São palavras que maravilham e encantam como afirma o trecho do Evangelho; elas comovem e dão alegria conforme nos diz a primeira leitura: “todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei” (Ne 8,9).

Se olharmos o texto de hoje, as palavras parecem normais, porque, em teoria, jásabemos o que a Palavra é e é capaz de oferecer. O Salmo responsorial sublinha de maneira especial todos os aspectos: “A lei do Senhor Deus é perfeita, conforto para a alma! O testemunho do Senhor é fiel, sabedoria dos humildes” (Sl 18).

Por que nas nossas comunidades essa palavra anunciada e ouvida não produz os mesmos sentimentos descritos nas leituras de hoje? Por que muitas vezes nós, cristãos, saímos das nossas celebrações do mesmo jeito que entramos?

Lucas mostra as atitudes necessárias para que a Palavra seja acolhida de maneira tal que reflita na vida e a transforme em testemunho alegre. Na primeira parte do evangelho de hoje (1,1-4), ele diz: “Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra. Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo. Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste”.

Desta primeira parte do evangelho nós podemos concluir que a fééescuta, é busca e é encontro. É escuta sem barreiras, sem filtros, sem condições; é busca: a mesma que o ser humano ouviu falar de uma pérola preciosa de grande valor e de um tesouro imenso escondido em um campo. No desejo de encontrar essa fortuna, põe-se a caminho cheio de alegria para conquistá-lo; a fé é encontro pessoal com aquele que nos fez e continua a nos oferecer a graça, isto é, a nos encher de esplendor.

Somente assim a Palavra de Deus é verdadeiramente acolhida e pode ser traduzida em história e em testemunho. História, sim, de uma experiência, de um acontecimento, de algo que fala também de nós mesmos, mas, sobretudo, daquele que é o tesouro dessa história.

Lucas não chegou a conhecer Jesus, mas a experiência que fez dele foi tão forte e premente que o levou a escrever sobre Ele com a mesma força de um discípulo. No início dos Atos dos Apóstolos, ele afirma que a sua obra é a história de “tudo aquilo que Jesus fez e ensinou desde o início” (Atos 1,1).

A palavra proclamada e anunciada é como uma semente colocada no terreno de nossa vida; precisa de uma terra boa para produzir frutos. Ser terra boa quer dizer estar em movimento. Lucas, após haver escutado o anúncio, pôs-se a pesquisar, com a finalidade de fazer um estudo cuidadoso sobre tudo o que aconteceu desde o início, para depois escrever de maneira ordenada, de tal forma que o amigo de Deus (Teófilo), pudesse tomar consciência da solidez dos ensinamentos que recebeu.

O ser humano que escuta de fato a Palavra, ouve um chamado que o faz pôr-se a caminho, indo ao encontro daquele que éa meta de sua busca. Escutar e acolher são duas faces de uma mesma moeda: ir ao encontro do Deus que ama, que dá a graça, que cumpre e que realiza as Escrituras para a alegria e a salvação da humanidade.

Essa nãoétalvez a boa nova das boas novas? Nãoéessa a nossa alegria de saber hoje na nossa vida que se realiza a esperança anunciada?

Na segunda parte do evangelho, temos o cumprimento das promessas de Deus. Segundo Lucas, Jesus foi à sinagoga na cidade de Nazaré.“Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,14-21).

Além de nos colocar a caminho na nossa busca, nós precisamos estar atentos ao que Jesus pode fazer por nós. Certamente, em Nazaré todos esperavam muito de Jesus porque a sua fama havia se espalhado por toda a região. No entanto, aqueles que ouviam Jesus estavam distraídos por outras possibilidades, talvez mais importantes do que ouvir Jesus. Por isso, perderam a ocasião de compreender “quem” estava ali na sinagoga. Para eles, Jesus continuava a ser somente um filho de carpinteiro e nada mais.

Infelizmente, hoje acontece o mesmo conosco. Talvez Jesus tenha se tornado para nós apenas um grande homem e nada mais. Lucas nos lembra que Ele é mais do que isso: é Deus-Homem vindo para nos redimir e nos dar a vida eterna. A vida eterna é traduzida nas palavras de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.

Nós podemos nos fechar em nossos preconceitos e assim não conseguimos ver em Jesus o Filho de Deus enviado ao mundo para salvar a humanidade. Nós queremos tocar com a mão para poder acreditar, como queria Tomé. Não queremos acreditar que a mensagem que Ele nos transmitiu precisa ser cumprida através de uma adesão cristã, isto é, igual àquela de Jesus, que, acolhendo Palavra do Profeta Isaías, cumpre-a, realiza-a na própria história, com comportamentos que levam à libertação.

Essa libertação jáse cumpriu como se cumpriram todas as promessas de Deus, mas necessita de outros corações, de outras mãos e de outras vozes para nos mostrar que pode se tornar visível no hoje da Igreja e da história.

Que o Senhor nos dêa graça dos habitantes de Nazaré de se maravilhar diante de Jesus; que Ele nos dê também a alegria do povo de Israel que viu nele o Messias, para que possamos ser uma comunidade de comunhão, que anuncia a todos as maravilhas de Deus de acordo com o próprio carisma, que leve a esperança, a mesma que Jesus trouxe, e comunidade que se empenha concretamente em ser luz para quem vive nas trevas, liberdade para quem está ainda prisioneiro dos preconceitos, consolação para os que estão acometidos pelas desgraças – como as do Haiti ou dos que padecem por conta das catástrofes naturais no Brasil – e cura de todos os males.

Pe. Pedro Pereira Borges

Pró-Reitor de Pastoral UCDB