Artigo: As Bem-aventuranças são inseparáveis daquele que as pronuncia

14/02/2010 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

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O trecho do evangelho deste 6º domingo do tempo comum étirado de Lucas 6,1-20-26. Lucas, assim como Mateus, também coloca na boca de Jesus a proclamação das bem-aventuranças.

O capítulo 6ºdo evangelho de Lucas começa com a controvérsia entre Jesus e os fariseus a respeito do que se devia ou não fazem em dia de sábado, de acordo com a Lei. Jesus percebeu que estava numa sociedade na qual o sistema político era um fruto da dominação romana e o sistema religioso estava podre. A religião, que deveria trazer a libertação para o povo, havia se tornado um meio de opressão. Para ele, o povo precisava de liberação das suas energias interiores para voltar a ter dignidade.

Jesus nãoécomo um grande empresário que se aproveita das fragilidades do sistema para oferecer seu produto com preço superfaturado; tampouco é um político que faz promessas durante a campanha, mas que se esquece do povo durante os quatro anos seguintes; Jesus é alguém sintonizado com as necessidades do seu povo.

Essa sintonia proporcionou-lhe uma visão real dos problemas pelos quais o seu povo passava. Se fosse um empresário, Jesus certamente faria uma pesquisa de mercado para saber qual o melhor produto a oferecer; se fosse um político, no sentido estrito da palavra, certamente prepararia um discurso contundente que seria proferido mediante um jogo de palavras adequado e, se fosse preciso, nos momentos mais incisivos, se prorromperia em lágrimas.

Jesus, no entanto, nãoé nem empresário nem político. Ele é o Filho de Deus. Como tal, conhece as misérias do ser humano e se sente solidário com cada pessoa. Muitas vezes, o que as pessoas precisam nenhum empresário pode oferecer ou nenhum político pode satisfazer.

O que Jesus propôs para o seu povo foi uma revolução radical e silenciosa. Com ela, restabeleceria os ideais primitivos do seu povo, mas olhando para frente.

Por isso, Ele, após reunir os seus discípulos no alto da montanha, desce e se coloca no meio do povo num lugar plano. Jesus fala sobre a construção de um Reino diferente de todos os que existiam de antemão e dá as regras sobre as quais os cidadãos desse reino devem se basear.

No ideal do povo, Moisés havia sido o grande legislador. Havia recebido no Monte Horeb as Tábuas da Lei. O povo havia jurado seguir a Deus por onde quer que fosse. Agora, Jesus mostrava que era o novo Moisés do seu povo. Diferentemente do Moisés libertador do povo da escravidão do Egito, Jesus não precisa descer do monte com as tábuas da lei. Ele mesmo profere as leis que devem ser seguidas em seu Reino.

No evangelho de hoje, Lucas fala das Bem-aventuranças dos humildes e dos simples e também das desventuranças dos que ostentam o poder. Os bem-aventurados, segundo Jesus, são os pobres, os que têm fome, os que agora choram e os que são odiados por causa do Filho do Homem. Em paralelo com as bem-aventuranças, os desventurados são os ricos, os que vivem na fartura, os que agora riem e os que agora são louvados.

Quem estava diante de Jesus, quando Ele proferiu esse discurso. Segundo Lucas uma grande multidão. Ele não fala se eram divididos em ricos ou pobres ou dessa e daquela raça. É com essa multidão que Jesus quer construir uma nova sociedade que escuta o que Ele diz.

As bem-aventuranças são a maneira pela qual cada pessoa encontra a realização plena de sua vida, ou seja, a felicidade. O discípulo de Jesus deve saber orientar a sua vida pela lei de Deus. Nela, ele encontra a sua alegria e medita sobre ela dia e noite.

Jesus, retomando o tema das bem-aventuranças, faz-nos perceber que,em qualquer situação que vivemos, seja ela de pobreza ou de riqueza, de saúde ou de doença, de amizade ou de inimizade, ninguém jamais deverá duvidar de Deus, porque “o Senhor protege a caminhada dos justos, mas o caminho dos maus leva à desgraça” (Sl 1,6).

Nas palavras de Lucas, as bem-aventuranças são inseparáveis daquele que as pronuncia. Elas não podem ser pronunciadas visando um interesse de mercado ou uma eleição em determinada data. Ao contrário, são propostas para serem vividas nesta vida e na que vier depois de nossa morte.

É por isso que Jesus, ao proferir as Bem-aventuranças, não está propondo algo difícil de fazer. Ao contrário, as bem-aventuranças servem para fazermos um exame de consciência sobre a maneira como nós estamos vivendo. Neste mundo há muito esbanjamento enquanto há muitos que passam fome; há muitos que passam a sua vida dedicados ao prazer que lhe proporciona o dinheiro e acham que isso é a verdadeira felicidade; há muitos que acreditam que felicidade é o acúmulo de bens somente para si. Jesus está dando uma oportunidade a eles de serem resgatados de seu egoísmo, de sua falsidade, de sua imoralidade e de sua autosuficiência.

E Jesus faz isso porque tem compaixão daqueles que substituem Deus pelo dinheiro; daqueles que acreditam que, seguindo a Deus, terão sua liberdade tolhida. Deus não aprisiona ninguém. Ao contrário, Ele é libertador.

Ao redor de Jesus estavam pessoas que acreditavam nisso e hoje hámuitas pessoas que continuam acreditando na construção de um mundo melhor do que aquele que estamos vivendo. Deus quer bem a todas as suas criaturas: por isso, Jesus levanta os olhos para os seus discípulos para proclamar as bem-aventuranças. Os olhos de Jesus estão repletos de ternura. Antes de falar, Ele olha, com toda a compaixão do seu coração, a nossa existência real carregada de tantas misérias. Seu ensinamento passa sobre as nossas cabeças: a sua palavra penetra, e por isso ilumina a partir de dentro, e nos orientam para alcançar a verdadeira felicidade.

Enquanto ensina, Jesus traduz com a vida as suas próprias palavras. As bem-aventuranças são promessas nas quais resplandece a nova imagem do mundo e do homem que Jesus implanta no mundo uma inversão dos valores. Se o ser humano começa a olhar e a viver partindo de Deus, se caminha tendo Jesus por companheiro, então está vivendo segundo os novos critérios do Reino.

O conjunto das bem-aventuranças exprime o significado profundo e radical do verdadeiro discipulado, porque evidencia que o ser humano deve viver sempre em referência a Jesus. Todo discípulo do Reino assim o é porque está ligado ao mistério de Cristo. Segundo Bento XVI, as bem-aventuranças são “a transposição da cruz e da ressurreição na vida do discípulo. Elas, porém, têm valor para o discípulo porque foram realizadas primeiramente no próprio Cristo”.

As bem-aventuranças indicam os verdadeiros lugares onde estão as esperanças do ser humano. Os comportamentos contrários, por outro lado, mantêm o ser humano conectado naquilo que é aparente, provisório, e, fazendo-o perder o sentido de Deus e do próximo, levam-no à ruína, porque o rebaixam em detrimento da grandeza a que foi chamado.

O que nos falta para viver as bem-aventuranças?

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