Artigo: É melhor ser pecador do que um perfeito solitário

24/10/2010 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

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Desde pequenos, nós aprendemos que quando se entra numa Igreja devemos fazer uma genuflexão voltada para o Sacrário. Os catequistas também falam para as crianças fazerem isso antes de toda e qualquer celebração. Toda vez que os catequistas falam disso: “Lembrem-se, estamos entrando na casa do Senhor!” e que “é preciso antes saudar o dono da casa”.

O Sacrário, que contém o Pão eucarístico, lembra-nos a presença constante de Jesus após as celebrações das missas, que, para os cristãos, é, desde sempre, a principal maneira de sentir a proximidade e a presença de Jesus (“Fazei isso em memória de mim!”). Se fôssemos atualizar a cena do evangelho de hoje, de Lucas 18,9-14, em uma de nossas igrejas, onde ficaram o cobrador de impostos e o fariseu? (lembrar que há fariseus e fariseus. Nem todos os fariseus eram pessoas como algumas que são apresentadas nos evangelhos).

Bem, obviamente o fariseu estaria lá na frente, pertinho do Sacrário, e o publicano lá no fundo, perto da porta, talvez meio escondido atrás de alguma coluna. E se eu, como padre, entrasse na Igreja naquele momento, nem poderia notar que o primeiro apresenta um comportamento religioso exemplar, enquanto que o segundo, no máximo, poderia ser confundido com um curioso que está ali de passagem.

A aparência de fato engana, como nos ensina Jesus com a sua sentença final que destoa um pouco. Jesus, por estar liturgicamente no Sacrário e perto do fariseu, que reza de maneira solene e vistosa, na realidade também está também na porta da igreja, com o pecador, que parece pouco exemplar, inclinado sobre o peito e que sequer se sente digno de ir lá perto do Sacrário.

A oração do homem piedoso, aqui chamado de fariseu, diante do Sacrário, é uma oração absolutamente solitária. Não existe nela lugar para Deus nem para aquele lá de trás, como diz o fariseu. Mas nós também podemos dizer que não existe lugar para Deus nem naquilo que ele mesmo pensa. O que ele diz é uma lista de boas obras feitas sozinho. É uma lista longa que mostra por que ele é diferente dos outros: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda”. Mesmo estando aparentemente perto de Deus, na realidade está longe, porque em Deus não há lugar para uma vida tão perfeita.

A oração daquele que está lá no fundo da igreja, ao contrário, está cheia de Deus. O cobrador de impostos se sente longe de Deus por tudo o que fez na vida. Mas está ali, e pede perdão. Reconhece que tem necessidade de Deus. E Deus tem finalmente a possibilidade de fazer algo por ele.

Uma oração assim não é, portanto, solitária nem leva à solidão. É uma oração que não despreza ninguém, porque, diferentemente da oração do fariseu, não faz um elenco de coisas que o diferencia dos outros.

A oração do cobrador de impostos é aberta também à oração de quem é marginalizado porque não julga ninguém, a não ser a si mesmo.

Paradoxalmente, o ensino principal dessa parábola não é sobre a oração, mas sobre a vida. Poderia resumir o que estamos dizendo assim: “diga-me como você reza que direi como você vive”. A oração do fariseu nos mostra que, no fundo, ele vive desprezando os outros. Vive todas as regras da lei e da religião, mas se esquece da primeira e mais importante lei que, para Jesus, é o amor pelo próximo, que é um irmão que Deus colocou ao nosso lado para amar e não para julgar.

O cobrador de impostos, elogiado por Jesus, ao contrário, parece ter uma concepção muito pobre de si, mas é justamente por isso que sua oração se abre ao perdão. O cobrador de impostos tem necessidade de Deus e do próximo para viver, porque sozinho estaria condenado a sucumbir sob o peso dos pecados, pecados que ele mesmo reconhece haver cometido.

Acredito agora na beleza da oração comunitária, seja na missa de domingo ou em outras ocasiões. A oração verdadeira produz unidade e suaviza os limites da vida comunitária. A busca de uma comunhão de vida e da solidariedade leva a uma oração que só pode ser feita em comum e jamais julga os outros.

Penso que, entrando na Igreja, especialmente aos domingos, quando a comunidade está reunida, não devo apenas “saudar o Senhor” no Sacrário, mas me lembrar também de quem está ao meu lado, quem quer que seja, sem preconceitos. E, ao mesmo tempo, posso avaliar se a minha oração na igreja foi proveitosa se, após sair da missa, saberei cultivar verdadeiras relações na vida, sem pretensões e qualquer juízo de valor sobre os outros.

 

Fonte: Qumran