Artigo: Mais do que qualquer afeto

05/09/2010 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

Veja as últimas notícias da UCDB para você que está interessado em UCDB

Aff! Que Evangelho, irmãos! É preciso admitir que nos encontramos, muitas vezes, diante de palavras tão intrigantes que dá vontade de ir por outro caminho.

Paciência, amigos, e enfrentemos com a luz do Espírito Santo aquilo que Deus nos diz na primeira leitura de hoje. O autor do livro da Sabedoria, olhando centro de si (um esporte pouco difundido hoje), descobre que “Tímidos são os pensamentos dos mortais, e incertas as nossas concepções”: “Quem, portanto, pode descobrir o que se passa no céu?”.

O nosso mundo, que fez progressos incríveis no campo da ciência, esforça-se por crescer na sabedoria. O mundo tecnológico, organizadíssimo, que anseia conquistar o espaço sideral, que conhece grande parte dos segredos da energia, que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas, não consegue dar resposta ao jovem que se refugia na droga, ao ódio que culmina na guerra, à indiferença e à solidão que fecha as famílias entre as paredes de cimento.

Que contradição! Talvez precisemos de fato responder às verdadeiras e profundas perguntas que jazem no coração do homem, sem nos deixar embriagar pelo limitado sucesso da ciência. Temos verdadeira necessidade do dom da sabedoria para levantar o nosso olhar para Deus.

E temos também de algo a mais para entender o evangelho de hoje, de Lucas 14,25-33. Não podemos nos deixar impressionar pelo linguajar: no hebraico para dizer “te amo” se diz “não te odeio”. Jesus, pedindo para odiar aqueles que amamos está dizendo que Ele pode ser mais do que qualquer coisa que amamos. Jesus afirma que Ele é esse mais. Mais do que aqueles que amamos, mais do que uma família, mais do que qualquer alegria ou satisfação que o mundo possa nos oferecer.

Jesus tem como objetivo preencher o coração do discípulo, e por isso pode ser extremamente duro e exigente. E se tiver razão? Que tipo de fígado tem alguém como Ele para me pedir para segui-Lo sem condições? Como é possível que Ele aponte para o alto, quando pretende justamente dar sentido ao coração insaciável do ser humano?

Mas será que escutamos bem? Não é talvez porque a maneira como seguimos seus passos que torna, muitas vezes, a fé se torna pesada?

Sim: escutar este evangelho sem ter encontrado o amor de Cristo é desencorajador, e a fé parece desumana, um sacrifício, que, no fim, ajusta a nossa consciência para reconhecer a onipotência de Deus. Não: Jesus é tão exigente porque sabe cumprir com aquilo que promete, sabe que ao discípulo que o segue sem olhar para trás pode doar a sua verdadeira sabedoria.

A lógica da cruz – que não é a lógica do sofrimento com um fim em si mesmo – é a lógica de quem se confia, doa-se, demonstra, como o próprio Jesus fez, que se pode amar até o ponto de dar a própria vida. Esta é a verdadeira Sabedoria, esta é a solução para a nossa busca ansiosa pela verdade e pela felicidade, esta é a condição para viver a vida em plenitude.

É preciso sentar-se e fazer as contas, como o bom empresário do evangelho: ver onde me encontro, se arrisco, se tenho dentro de mim a sede e a coragem necessárias para iniciar um novo empreendimento. Empreendimento que requer um grande consumo de energias: confiar. Empreendimento que exige de nós algumas disposições: desejar o absoluto, levantar o olhar para reencontrar as coisas do céu. Assim fazendo, a nossa vida, a partir de então, muda de perspectiva.

Isso bem entendeu Filêmon, simpático cristão das origens, a quem Paulo endereça uma carta de apresentação, reenviando-lhe um escravo que se havia refugiado junto ao apóstolo. Paulo o convida a sair da lógica deste mundo: patrão-escravo, para entrar na lógica do Reino: irmão-irmão.

O Cristo que cumpre com suas promessas, nos conceda, verdadeiramente, a graça de ter a coragem de deixar as nossas pequenas certezas para enfrentar com decisão a aventura de seguir Jesus, que nos dá respostas que estão além do espaço e do tempo e das ciências que respondem apenas mecanicamente aos anseios da humanidade.