Artigo: Nós podemos dar a volta por cima

02/10/2011 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

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Há um filme italiano, cujo título é Pode-se fazer, que narra uma história sobre das pessoas que são consideradas descartáveis, mas que dão a volta por cima e assumem o controle da situação.

O filme de Giulio Manfredonia tem Claudio Bisio como ator principal e retrata como um novo diretor, mandado para avaliar as condições de um centro psiquiátrico que hospeda as pessoas descartadas pela sociedade, ou seja, aqueles que a sociedade não quer ver e que colocou de escanteio pela sua inutilidade, muda a história daquele lugar.

O novo diretor se rebela contra a lógica do sistema e passa a investir nas pessoas que lá se encontram. Elas, mesmo tendo suas doenças mentais, revelam capacidades escondidas que ninguém, inclusive elas, jamais tinha valorizado.

Em pouco tempo, esse pequeno grupo de doentes mentais constroem uma cooperativa especializada em assentar assoalhos em residências e em casas comerciais. Uma das cenas mais significativas é quando o grupo de trabalhadores se encontra numa casa comercial muito conceituada para fazer o acabamento de um pavimento.

Infelizmente, o material necessário acabou e o que eles têm à disposição são apenas as sobras do acabamento do pavimento acima. É justamente usando os pedaços de madeira que eles conseguem criar a parte mais bonita do seu trabalho. Isso faz com que seu trabalho seja reconhecido pela sociedade. O filme mostra como os descartes humanos usando os descartes de uma obra criam uma obra de arte e passam a dominar o mercado.

Jesus, contando a parábola dos trabalhadores que chegam a matar também o filho do patrão para não ter que se desfazer da vinha, de maneira simbólica revela o que acontece na sociedade do seu tempo.

É o próprio Jesus que é enviado ao mundo, no meio de trabalhadores violentos, que, na realidade, são justamente aqueles que estão ouvindo a parábola, isto é, alguns chefes dos sacerdotes e dos escribas. Na verdade, são esses últimos que condenarão Jesus, jogarão Jesus fora de Jerusalém para matá-lo, na ilusão de poderem controlar Deus e o seu Reino.

Os cristãos dos tempos de Mateus e também os de hoje ouvem esse relato, sabem que são seguidores de um descarte humano e divino: Jesus.

Jesus foi descartado, considerado inútil e nocivo à religião assim como ela havia sido construída e implantada por alguns do povo de Israel naquela época. Mas justamente esse descarte se tornou o início de uma nova era para o Reino de Deus.

A religião triunfante que tinha no grande e rico templo de Jerusalém o seu símbolo maior – é ali que se desenrola o diálogo do evangelho de hoje, de Mateus 21,33-43, não podemos nos esquecer disso –, está em crise e por isso mostra sinais de um enrijecimento que desemboca na violência.

A religião, quando se torna rígida e exclusiva – no sentido literal do termo, isto é, que exclui –, por fim afasta-se de Deus e rejeita o próprio Deus.

Jesus se apresenta como o iniciador de uma nova maneira de estar com Deus e entre os homens. Ele que por primeiro faz a experiência de ser descartado – torna-se pedra angular –, nos ensina a seguir o mesmo caminho entre nós na comunidade cristã de hoje.

Ouvir a parábola de hoje dentro da nossa Igreja significa colocar-nos em alerta, porque também nós corremos o risco dos trabalhadores da vinha.

Se pensarmos em nos tornar donos e nos esquecermos de que é Deus Pai e seu Filho aqueles aos quais devemos nos referir, então nos afastamos da tarefa que nos foi confiada e a religião que nos tem sustentado se tornará excludente e violenta.

A lição do filme sobre o que aconteceu no hospital psiquiátrico é muito importante. Ela se parece muito com o evangelho de hoje e abre a minha mente para ver o valor da pessoa antes de tudo, sem me tornar dono da vontade de Deus a ponto de decidir sozinho sobre quem está fora ou dentro, quem é normal ou quem não é, quem pode fazer isso ou quem pode fazer aquilo. Descartes humanos que com Deus se transformam em verdadeiros artistas.

Jesus, descartado, construiu justamente com os descartados da sociedade do seu tempo – e não com religiosos de peso da sua época – a nova história da salvação, na qual estou eu, estamos nós e também com aqueles que às vezes nós achamos que são descartáveis.