Artigo: O divórcio não está nos horizontes de Jesus

04/10/2009 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

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A nova lei sobre o divórcio, de 31 de outubro de 2008, trouxe algumas novidades para muitos casais. O divórcio pode ser aprovado sem que problemas como regulação do poder paternal, por exemplo, estejam resolvidos. Agora, para facilitar o divórcio, foi proposta uma nova alteração da Constituição de 1988, inciso 6º, do artigo 226: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Segundo o deputado Sérgio Carneiro, do PT baiano, é preciso suprimir o termo “prévia separação judicial”, porque a submissão a dois processos judiciais resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis.

 

No Brasil, segundo o IBGE, um em cada quatro casamentos resulta em divórcio. Nesse mesmo ano, foi noticiado que a 3ª Vara da Família, em Campo Grande, registra a ocorrência de 10 divórcios em média, por mês, em Campo Grande.

 

O evangelho deste 27º domingo do tempo comum fala sobre a questão do divórcio. Marcos 10,2-16 fala que, respondendo a uma pergunta posta pelos fariseus, Jesus pronuncia a condenação do divórcio, citando a palavra do Gênesis. Aí o casal humano é apresentado como tendo sido assim constituído desde, o seu princípio, pela vontade de Deus Criador.

 

A pergunta feita pelos fariseus foi a seguinte: “pode um homem despedir a sua mulher?”. Na sua resposta, Jesus se baseia nas Sagradas Escrituras. Ele pergunta sobre o que Moisés prescreveu a esse respeito. Eles respondem: “Moisés permitiu escrever um atestado de divórcio e despedi-la”. Jesus, então, disse que Moisés escreveu esse preceito por causa da “dureza do vosso coração”. Em seguida, pondera que “desde o princípio da criação Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois formarão uma só carne; assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe!”. E, para encerrar o assunto, Jesus diz que o homem ou a mulher se divorcia e se casa com outra ou com outro comete adultério.

 

Em seguida, as pessoas traziam as crianças para que Jesus as abençoasse, mas os discípulos as impediam de se aproximarem de Jesus. Jesus se aborreceu com eles e disse: “Deixai as crianças virem a mim. Não as impeçais, porque a pessoas assim é que pertence o Reino de Deus. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele!”. Ele, então, abraçava as crianças e as abençoava.

 

Quando lemos um evangelho como este e pensamos na realidade do matrimônio apresentada acima, com a facilidade com que as leis permitem o divórcio; quando assistimos a tantos filmes de contos de fada – Cinderela, é um clássico – que falam da felicidade para sempre; quando nos deparamos com a realidade vivida pelas mulheres e pelos homens de hoje, logo nos deparamos com a dificuldade de propor não o casamento em si, mas o matrimônio, como ideal para os nossos jovens.

 

Para Jesus, isso é possível, desde que o ser humano volte às suas origens, ou seja, à finalidade para a qual foi criado. O ser humano não foi criado para viver só, mas para a relação; o ser humano não foi criado para o egoísmo, mas para completar o outro. Por isso, o homem deixará a sua família para constituir, com a mulher escolhida, uma nova família, e os dois serão uma só carne.

 

O divórcio não está nos horizontes de Jesus porque vai contra o projeto original de Deus para com o ser humano. O matrimônio, por sua vez, faz parte do projeto original de Deus e deve ser vivido no sentido de a mulher completar o homem e o homem completar a mulher naquilo que falta a ambos na sua busca de felicidade.

O que acontece hoje é o mesmo que acontece no tempo de Jesus. O problema pode parecer eterno, mas tem solução. Há um processo de desvalorização da dignidade da pessoa e uma valorização crescente da genitalidade, ou seja, cada um pode fazer o que quer com seus órgãos genitais. Infelizmente, somos responsáveis pelo desprezo do corpo como santuário da presença de Deus. Na verdade, o corpo é o dom mais precioso que possamos ter. Sem ele, é negada ao ser humano a possibilidade de comunicar e encontrar o outro. Encontrar o semelhante/o diferente na profundidade da própria carne, viver a sexualidade como dom, é desafio que devemos, porém, ter a coragem de propor.

 

Diante disso, surge a pergunta: o que falta às nossas famílias para superar a realidade da separação? Do mesmo modo que falava aos fariseus, Jesus ainda fala hoje para nós: precisamos superar a dureza do nosso coração para recuperar a possibilidade do diálogo para resolver os problemas que surgem em nossas famílias; precisamos voltar às nossas origens para descobrir o projeto que Deus tem para cada um de nós. Aí nós descobriremos que somos seres criados uns para os outros. No outro eu encontro o que falta em mim; precisamos descobrir que quando quebramos os vínculos que estabelecemos mediante o matrimônio damos lugar aos nossos instintos e já não teremos controle sobre eles. É o que Deus dizia a Caim: “Não é verdade que, se fizeres o bem, andarás de cabeça erguida? E se fizeres o mal, não estará o pecado espreitando-te à porta? A ti vai seu desejo, mas tu deves dominá-lo” (Gn 4,7).

 

Este evangelho é um convite não a nos confrontar com as leis judaicas, mas a nos confrontar com os nossos próprios princípios, com a moral que rege as nossas atitudes. assim, podemos reafirmar o projeto ideal de Deus para com o homem e a mulher: eles são ainda hoje chamados a formar uma comunidade estável e indissolúvel de amor, de partilha e de doação. A separação não está prevista no projeto ideal de Deus, pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projeto original de Deus para o homem e para a mulher.

 

Na imagem do acolhimento de Jesus às crianças está também um convite às nossas comunidades a acolherem a todos, independentemente da situação em que se encontram. Na verdade, a vida de qualquer ser humano está cheia de fracassos, de infidelidades, de falhas. Nessas circunstâncias, a comunidade cristã deve usar de muita compreensão para aqueles que falharam (muitas vezes sem culpa) na vivência do seu projeto de amor. Em nenhuma circunstância as pessoas divorciadas devem ser marginalizadas ou afastadas da vida da comunidade cristã. A comunidade deve, em todos os instantes, acolher, integrar, compreender, ajudar aqueles a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o tal projeto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” que Deus propõe; trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com todos aqueles a quem a partilha de um projeto comum fez sofrer e que, por diversas razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da comunidade, se comprometeram a viver (Dehonianos).

 

Amemos a família, respeitemos a família e poderemos construir a nova civilização como dom de Deus.

 

Que a paz de Deus habite no coração de nossas famílias.

 

 

Pe. Pedro Pereira Borges

Pró-Reitor de Pastoral UCDB

 

 

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