Artigo: O Pai nos revela a identidade de Jesus como seu Filho amado

10/01/2010 - 0:00 - UCDB

Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges

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A Igreja celebra hoje outra manifestação de Jesus. Ele acolhe o batismo de conversão pregado e administrado por João e, ao mesmo tempo, aquela foi a ocasião para o Pai de proclamá-lo “filho amado”, convidando todos a escutá-lo para receber o dom da salvação. Novamente, neste domingo, também nós queremos ouvir essa proclamação para nos tornar participantes da sua filiação e para compartilhar com Ele da sua glória.

O evangelho de hoje é tirado de Lucas 3,15-16.21-21. As duas partes já estão bem definidas. Em primeiro lugar, diante da expectativa de Israel pela vinda do Messias, João Batista frustra as esperanças do povo dizendo: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”.

Em segundo lugar, em um dos momentos nos quais batizava, João viu aparecer diante de si aquele de quem não era digno de desamarrar as sandálias. Jesus se fez batizar por João com uma unção especial. Após ser mergulhado nas águas, Ele rezava. Então, ocorreu a revelação da identidade de Jesus. Segundo Lucas, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer”.

Essas duas partes do trecho proclamado se juntam para trazer duas respostas aos questionamentos do povo e sobre a situação de João Batista e de Jesus. A primeira resposta é dada à multidão. João não é o Messias esperado. A segunda é que Deus revela quem Jesus é superior a João.

João Batista revela a própria identidade colocando-se em aberto confronto qualitativo com o Messias. Com isso, afasta o olhar e a atenção do povo de si e a projeta diretamente sobre Jesus. João não se coloca no mesmo plano de Jesus. Enquanto ele é a espera e a preparação e Jesus é a realização e cumprimento das promessas de Deus.

Em outras palavras, João Batista fecha o Antigo Testamento e Jesus abre o Novo. Jesus inaugura os tempos novos e realiza plenamente a salvação para todos. João não é capaz de elevar o ser humano até Deus: imerge-o nas águas da verdade, faz com que se liberte da hipocrisia da fé para predispô-lo a acolher o dom da salvação. O batismo de João coloca o ser humano diante do próprio pecado e da perspectiva da morte, na esperança de que venha alguém “mais forte”.

O batismo de Jesus, ao contrário, é o verdadeiro batismo, completo, um batismo que queima como o fogo. É um batismo que age com a força do Espírito Santo e que imerge o ser humano para não para baixo, mas para o alto, isto é, diretamente na vida de Deus. Esse batismo leva à salvação e a torna verdadeira, conforme havia sido anunciada ao povo pelo mesmo João Batista, como “boa notícia”.

Portanto, entre João e Jesus há uma diferença. A imagem que ilustra essa diferença é o ato de “desamarrar as sandálias”. Com isso, João quer que o povo, entusiasmado com a sua pregação, entenda que não pode divinizá-lo. Ele não somente não é o Messias, mas é apenas o anunciador indigno da sua vinda, acentuando a diferença entre o homem-profeta, que é João, e o Messias-Deus, que é Jesus.

Lucas procura falar sobre o batismo de Jesus juntamente com o batismo de outras pessoas nas margens do Jordão. Ele faz questão de sublinhar que, após a imersão na água, Jesus estava em oração. A oração revela a sua íntima relação de sua filiação com o Pai. É justamente enquanto está rezando que tem início a teofania – manifestação de Deus –: o céu se abre e de lá brota o Espírito Santo que pousa sobre Jesus. É nesse momento que o Pai faz ouvir a sua voz reconhecendo o Filho amado e no qual colocou desde sempre e para sempre o seu agrado.

Mesmo inaugurando uma nova era na vida da humanidade, o batismo de Jesus se coloca em continuidade com o Antigo Testamento: o Espírito que guia o povo no deserto (Is 63,11-14) agora coloca a sua morada definitiva na pessoa de Jesus e o guia no seu ministério. O reconhecimento do Pai em relação a Jesus une duas profecias do Antigo Testamento que eram referidas ao Messias: o filho (Sl 2,7) é aquele em quem o Pai põe o seu bem querer (Is 42,1).

Lucas quer também sublinhar com esse trecho a filiação divina, a ação do Espírito e a voz do Pai, que acentuam a sua divindade de Jesus e anunciam a sua missão salvadora no meio do povo. O evangelista também coloca esse acontecimento no início da missão de Jesus logo no fim da missão de João. De fato, nos versículos centrais, que não foram colocados no texto de hoje, ele falará da prisão de João Batista, ordenada por Herodes (Lc 3,19-20), justamente para evidenciar o fim do tempo de preparação e o início do cumprimento da missão salvadora de Jesus.

A celebração de hoje, fechando o tempo do Natal, nos leva às margens do Jordão, como peregrinos na fé, para participar não só de um acontecimento misterioso que é o batismo de Jesus. Ali temos a revelação de Jesus como Filho unigênito do Pai. Com esta celebração, a Igreja quer que os cristãos recuperem a dimensão profética e missionária do próprio batismo.

A Igreja ensina que “Na Antiga Aliança encontram-se várias prefigurações do Batismo: a água, fonte de vida e de morte; a arca de Noé, que salva por meio da água; a passagem do Mar Vermelho, que liberta Israel da escravidão do Egito; a travessia do Jordão, que introduz Israel na terra prometida, imagem da vida eterna” (Compêndio 253). Jesus levou ao cumprimento dessas prefigurações quando, ”no início da sua vida pública, se fez batizar por João Batista, no Jordão: na cruz, do seu lado trespassado, derramou sangue e água, sinais do Batismo e da Eucaristia e, depois, da Ressurreição confia aos Apóstolos esta missão: “Ide e ensinai todos os povos, batizando-os no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19-20) (Compêndio 254).

Celebrar o batismo de Jesus é, hoje, para nós um momento para recordar as nossas obrigações de cidadãos do Reino dos céus e cidadãos do mundo. Hoje, é necessário dizer um “não” à cultura de morte que se estabeleceu em nossa sociedade. Trata-se de uma anticultura que se manifesta, por exemplo, na droga, na fuga do real para o ilusório, para uma felicidade falsa que se exprime na mentira, na corrupção, na injustiça, no desprezo ao outro, à solidariedade e à responsabilidade para com os pobres e sofredores. Essa anticultura se exprime ainda em uma sexualidade que se torna pura diversão sem responsabilidade, que se torna uma “codificação” do ser humano, que não é considerado pessoa, digno de um amor pessoal que exige fidelidade, mas que se transforma em mero objeto. A essa promessa de felicidade aparente, de uma vida aparente que, na realidade, é somente instrumento de morte, a essa anticultura dizemos “não” a fim de cultivar a cultura da vida. Por isso, o “sim” cristão na hora do batismo, desde os tempos antigos até hoje, é um grande “sim” à vida.

O batismo de Jesus deve marcar em nossa vida o início de uma transformação interior que deve se tornar sinônimo de eternidade. Jesus é o Filho amado do Pai e através do qual o Pai nos ama. Essa maravilha se renova em cada um de nós no dia do nosso batismo. Jesus não precisava de conversão nem de ser batizado. Mas, assumiu nossa vida para nos devolver a vida. Por isso quis também unir-se a ao gesto de conversão do povo, como também haveria de morrer a nossa morte para passar para a vida definitiva levando-nos com ele. Devemos conservar a vida divina que ele nos infundiu, vivendo com todo ardor o nosso Batismo. Continuemos a celebração, agradecendo o grande dom do nosso Batismo e pedindo forças para sermos fiéis aos compromissos que ele nos traz.

 

Pe. Pedro Pereira Borges

Pró-Reitor de Pastoral da UCDB

 

 

Imagem:

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