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Às vezes acontece que alguém que não me conhece pessoalmente e não pertence à minha comunidade, imaginando que sou padre, me pergunta: “Você é padre?”.
O meu jeito irônico me levaria logo a responder “que eu saiba… não acredito. Já viu alguma criança parecida comigo?”.
Comecei com essa brincadeira porque o trecho do evangelho deste XXXI Domingo do Tempo Comum, tirado de Mateus 23,1-12, na realidade não é um evangelho fácil de ser ouvido. Na verdade, empurra-me contra a parede.
Já se vão algumas semanas nas quais Jesus está dando umas patadas em alguns representantes religiosos do seu tempo e nessa briga, que aos poucos revela a hipocrisia dos seus adversários, sinto-me provocado e insultado, como cristão e como padre.
Jesus, de modo aberto e sem pelos na língua, diz qual deve ser a nossa atitude diante de certos líderes religiosos: “deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam”.
Em outras palavras, Jesus os considera nada mais do que frios porta vozes de normas, mas absolutamente em descompasso com a vida.
O reduzido grupo dos escribas e dos fariseus que se encontra com Jesus, grupo que tem a pretensão de representar Deus e nisso se acham mestres, na realidade tem a si mesmo como referência.
Deus ficou reduzido a um pedestal do seu ego e o próximo ficou reduzido apenas a um público que assiste ao espetáculo da sua vaidade. Não existe relação verdadeira entre eles e Deus e nem mesmo entre eles e os outros.
Estamos no extremo oposto das palavras do Evangelho proclamado no domingo passado, quando Jesus dizia que devemos amar a Deus com todo o nosso ser e ao próximo como Ele mesmo.
Assim, entram em jogo as “palavras proibidas”: “pai”, “mestre” e “guia”. Jesus, no evangelho de hoje, usa de palavras claras e precisas, e a memória que o evangelista faz do presente discurso é também clara e precisa.
Chamar alguém pelo nome não é jamais um acessório, mas é a atribuir-lhe um significado profundo, o que deixa de ser uma simples palavra.
Se chamo a alguém de amigo, essa palavra me lembra uma relação profunda e de confiança recíproca, que nenhuma outra palavra é capaz de significar.
Se alguém é amigo, não o apresentarei como “colega” ou conhecido. E me ficaria ofendido se um amigo meu me apresentasse a outra pessoa como: “é um conhecido meu”.
Numa tarde, um adolescente estava me mostrando o seu celular. De repente, ele recebeu um sms de alguém que se autodenominava “paixão”. Não é preciso buscar nenhuma explicação para explicar o que estava acontecendo. O coração transforma a relação em carinho. Até as palavras se tornam diferentes e chegam ao nosso ouvido como um sopro que nos faz tremer por dentro.
Jesus disse para não chamar ninguém de “mestre”, “pai” e guia. E a motivação é dúplice: uma em relação a Deus e uma em relação ao próximo.
Só Deus é Pai, só Jesus é guia e só o Espírito Santo é Mestre. Foi isso o que Jesus quis dizer em toda a sua discussão com aquele grupo de fariseus.
Nós somos todos irmãos entre nós. Todos somos igualmente discípulos, porque temos sempre algo a aprender. Todos temos necessidade de ser guiados e ninguém pode afirmar que já alcançou tudo o que precisava na vida.
Jesus, ao proibir certas palavras, não queria dificultar as nossas relações, mas queria nos ajudar a ficar no caminho certo diante de Deus e entre nós. Na verdade, não somos muito diferentes do grupo dos bons ou do grupo dos maus fariseus e escribas, e não estamos livres da tentação de querer nos colocar no pedestal da religião para nos exaltar em detrimento do próximo. A tentação, no entanto, está sempre escondida atrás da porta.
Há uma imagem bonita destes dias que me ajuda a concretizar as palavras que estou escrevendo sobre o evangelho. É a do Papa – e não estou usando aqui a expressão “santo Padre” – no encontro entre os líderes religiosos que aconteceu em Assis.
Assis é o lugar onde Francisco começou, nove séculos atrás, o caminho de uma vida radicalmente enraizada no evangelho, com colegas aos quais ele simplesmente chamava de “frades-irmãos”.
Há 25 anos, um outro Papa, João Paulo II, começou, em Assis, esse caminho de oração inter-religiosa pela paz. Esse evento, que colocou lado a lado seres humanos, fez com que todos experimentassem o sentido da fraternidade universal, verdadeiro caminho para a paz.
Foi este, segundo a minha pobre opinião, um sinal estupendo do Reino que Jesus, Mestre e Senhor, começou.
Apresentações continuam nesta terça e quarta-feira no auditório do bloco A