28/02/2010 - 0:00 - UCDB
Fonte: Pe. Pedro Pereira Borges
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O evangelho deste segundo domingo da Quaresma é tirado de Lucas 9,28b-35. Trata-se do célebre trecho da Transfiguração de Jesus.
Lucas conta o acontecimento em três pequenos atos e um epílogo. No primeiro ato, há um prólogo, no qual se monta o cenário e as primeiras cenas. Lucas diz que Jesus subiu uma montanha com Pedro, Tiago e João para rezar. Durante a oração o seu rosto mudou de aparência. Sua roupa ficou branca e brilhante. Duas outras pessoas apareceram ao lado de Jesus: Moisés e Elias. Também eles estavam revestidos de glória e conversavam sobre a morte que Jesus iria sofrer em Jerusalém.
No segundo ato, o foco se volta para os discípulos. Pedro e seus companheiros aparentam cansaço e estão sonolentos. Quando despertam, veem a glória de Jesus e os dois homens que estão com Ele. Pedro, contemplando aquela cena cheia de luz imagina estar na presença do próprio Deus. Então, sem saber o que fazer, diz: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Lucas diz que Pedro não sabia o que estava dizendo.
O terceiro ato é o coroamento da narrativa. Enquanto Pedro ainda estava falando, uma nuvem os encobriu. A admiração dos discípulos expressa por Pedro deu lugar ao medo. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: “Este é meu Filho, o Escolhido. Escutai o que Ele diz.
Após isso, vem o epílogo. Nada de mágico aconteceu. Desapareceu de Jesus o brilho que tinha anteriormente; também desapareceram os dois personagens que conversavam com Ele. Havia no monte somente Jesus e seus discípulos. Lucas conclui dizendo que eles “ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto” (v.36).
O que pode parecer um teatro é algo encarnado na história. Jesus havia escolhido os discípulos. Quando estavam numa fase adiantada de encantamento com o Mestre, quando suas perspectivas de futuro pareciam estar cada vez mais claras e quando começaram a vislumbrar a realização de suas esperanças, Jesus lhes havia dito que seu tempo estava chegando e que tudo acabaria numa cruz em Jerusalém. Para quem está acostumado com os negócios, é como se o dono de uma empresa com milhares de empregados dissesse que estava entrando com um pedido de falência. Jesus havia jogado um balde de água fria em todas as esperanças que haviam depositado em Jesus.
Para tirar a impressão negativa que havia causado nos discípulos, Jesus não teve outra alternativa que não antecipar algumas pitadas da glória que estava reservada a Ele e também aos discípulos. Moisés e Elias representavam tudo para Israel. O primeiro havia dado formato à identidade do povo de Deus e o segundo havia sido arrebatado ao céu num carro de fogo. Ambos estavam repletos de glória ao lado de Jesus. Porém, após Jesus aos discípulos também estava reservada a mesma glória dos que haviam precedido. Do mesmo jeito que Moisés e Elias, os discípulos deveriam formatar o novo povo de Deus e receber a luz que vinha de Deus.
O que chama a atenção no texto é a situação dos discípulos. Eles pareciam extenuados, como que desinteressados pelo que estava acontecendo. Haviam subido ao monte com Jesus porque estavam acostumados à sua rotina de oração. Não sabiam que Jesus iria lhes dar uma demonstração do futuro que os aguardava. Por isso, enquanto estavam no monte preferiram dormir enquanto Jesus rezava. O jogo de luz que se formou é que os despertou da sonolência e passou a interessá-los pelo projeto de Jesus.
A palavra transfiguração é formada por um prefixo e um radical. O prefixo é “trans”, e significa “além de”, “para lá de”; o radical é “figura”, do qual saem os substantivos figuração e figura, e o verbo figurar, que significa “imagem” ou “representação”. O que aconteceu naquele monte foi algo que ia além da compreensão dos discípulos que acompanharam Jesus. Se eles ainda tinham dúvidas de quem era Jesus, tudo mudou. O rosto de Jesus era o mesmo que eles conheciam, mas tinha um brilho que ia além de um rosto humano; sua roupa contornava um corpo que era humano, mas mostravam uma luz que só Deus podia ter. Em última instância, Jesus mostrou aos discípulos que tudo, nele, era humano, mas os discípulos precisavam ver o que podiam enxergar somente com os olhos da fé.
Somente quando os discípulos aprendem a ver “além das” aparências é que Deus revela quem é seu Jesus: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai-o”. Já não é Jesus quem fala. Ou seja, a identidade de Jesus era revelada pelo alto. Moisés e Elias estavam ali para indicar que Deus estava cumprindo a sua promessa de enviar o Messias ao mundo na pessoa do seu Filho. Assim como eles tinha dado forma ao povo de Deus, a partir daquele os discípulos deviam fazer a longa caminhada rumo à formatação do novo povo de Deus a partir dos ensinamentos de Jesus, o Filho amado, o Escolhido de Deus.
Pedro, Tiago e João entenderam o que Jesus queria lhes mostrar. Segundo Lucas, nada contaram do que viram naqueles dias. Passaram a escutá-lo com mais atenção e mais fé. Na verdade, aprenderam que da cruz de Jesus brotaria uma nova esperança para a humanidade. Estava, no entanto, em suas mãos fazer uma escolha. Escolher uma estrada cheia de empenhos e dificuldades como Jesus mostrava exigiria deles coragem e sacrifícios. Para nós, dá-se a mesma coisa, na família, no trabalho, na profissão e no esporte, não alcançamos os nossos objetivos sem pagar o preço do sacrifício e da dedicação. Aquilo que vale pouco e que se alcança sem esforço não vai muito longe. Em cada projeto e realização existe sempre um selo da cruz.
Se é verdade que Deus entra na vida de uma pessoa provocando agitação e tirando-lhe a segurança, também é verdade que Ele projeta a pessoa para algo que supera as expectativas humanas. Não é por acaso que este segundo domingo da Quaresma nos apresenta a Transfiguração de Jesus na sua disponibilidade e obediência, experimentando a resposta de Deus: a luz que sai de Jesus encoraja o ser humano para enfrentar a sua caminhada neste mundo. Resta saber apenas o que devemos fazer, como pensou Pedro. O Pai diz que o caminho a seguir é escutar Jesus. Para nós, a caminhada pode ser cansativa, mas o cansaço se esvai a partir do momento em que descobrimos a vontade de Deus que nos projeta para o futuro.
Para que a nossa caminhada quaresmal seja profícua, devemos, então, fazer verdadeiramente uma experiência de escuta de Jesus e de oração. Lucas ressalta como a transfiguração de Jesus acontece na oração, e é quase que como conseqüência dela. Toda a vida de Jesus é tecida na oração, e Lucas registra o fato sobretudo nos momentos decisivos: no batismo (3,2), antes da escolha dos doze (6,12), antes da confissão de Pedro (9,18), no monte Tabor, no Getsêmani (22,39) e na cruz (23,34).
Portanto, o epílogo do episódio da transfiguração está em todos os atos em que a história se desenvolve, mas remete os discípulos principalmente para a escuta de Jesus e a oração para colocá-los na relação luminosa entre Deus e seu Filho Jesus, entre Jesus e a humanidade. Que a nossa oração seja momento no qual se exprime a nossa relação filial na escuta e no diálogo; momento de confronto, de decisões corajosas e de conversão. Peçamos a deus que transforme o nosso coração, para que tomemos distância da autossuficiência e da hipocrisia. Que nos deixemos guiar pelo Espírito para ser plasmados à imagem do Filho de Deus.
Pe. Pedro Pereira Borges
Pró-Reitor de Pastoral UCDB
Evento será realizado em sala de aula no bloco A