Semana Santa: Jesus, “Deus que salva”

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O episódio da passagem do mar, que lemos no livro do Êxodo, nesta noite, é importante na tradição bíblica enquanto manifestação do poder glorioso do Senhor (cf. Ex 14,4.17-8). Nela, Ele se revela exatamente como Senhor prevalecendo sobre o invencível poderio egípcio: “saberão que eu sou o Senhor” (Ex 14,4.18). Saberão os egípcios, mas, sobretudo, os israelitas. O povo de Israel passa do ver os egípcios impiedosamente abatidos quando eles o seguiam (Ex 14,10) ao vê-los jogados mortos nas margens do mar (Ex 14,30), e consequentemente a ver a salvação realizada pelo Senhor (Ex 14,13.15). Passa do temor diante do faraó e do seu exército (Ex 14,10) ao temor do Senhor (Ex 14,31).

Os israelitas fazem, assim, a experiência de uma nova criação, como ficará na memória a separação das águas (cf. Gn 1,6-11): justamente no momento em que as forças hostis parecem ganhar nova vida, a vida renasce livre das águas. Os israelitas fazem a experiência de uma gratuidade imprevista e supreendente, a descoberta de um Deus que lhes diz para ficar tranquilos e confiantes enquanto age por eles. Uma experiência semelhante nos leva ao canto que exalta a ação do Senhor e celebra a libertação: “Cantemos ao Senhor, que fez brilhar a sua glória (Ex 15).

O episódio da passagem do mar é o protótipo da intervenção salvadora de Deus, que salva de qualquer pode hostil e, no fim, da morte.

Na noite de Páscoa já somos capazes de compreender, contemplando o Ressuscitado, como é essa salvação: a morte, qualquer morte, é vencida. Esta é a Páscoa de Jesus, conforme nos conta Lucas 24,1-12. O episódio da ressurreição que as presenciaram na aurora daquele dia ainda ressoa em nossas vidas. Elas vão com medo ao túmulo, sem saber quem rolará a pedra que o fecha. Para sua surpresa, veem-na ao lado da porta e não encontram o corpo do Senhor. Veem dois homens que anunciam que Ele ressuscitou. Foram contar aos discípulos, mas eles não quiseram acreditar. Pedro, no entanto, foi até o túmulo, presenciou a fala do corpo de Jesus, mas apenas voltou para casa admirado.

Voltemos à imagem do mar para depois chegarmos a Jesus. Na Bíblia, o mar simboliza tudo aquilo que não há vida para o ser humano, que lhe é hostil, incontrolável, indecifrável; em uma palavra, o mal nas suas várias formas. A passagem do mar nos diz então que quem entra em tudo isso – em nome da vida – confiando no Senhor, experimenta o seu poderio e a sua vitória, passa através dele e vai além. Ao contrário, ai fica afogado.

Indo ainda um pouco mais a fundo: se podemos atravessar esse mar, podemos também enfrentar aquela morte que é aceitação da vontade de Deus, a renúncia pedida ao discípulo que quer seguir o seu Mestre até a cruz, mas ressuscitado (cf. Mt 16,24). Porque as forças hostis vão gritando que, se obedecermos a Deus, nós morreremos, mas obedecer ao Senhor significa enfrentar com coragem a morte e o medo que ela traz.

São Paulo chama isso de “ser batizados (ou seja, mergulhados) na morte de Jesus” (Rm 6,3). Agora a morte de Jesus é uma morte na obediência ao Pai: Ele morreu porque quis fazer até o fim a vontade do Pai. Justamente nessa morte nós somos mergulhados no batismo, e com Ele mergulhamos de novo em uma vida nova, que é sempre ainda a sua. São Paulo tem uma forte consciência disso: de agora em diante “também nós podemos caminhar numa vida nova” (Rm 6,4).

Assim como aconteceu aos israelitas, nós passamos do temor dos ídolos ao temor de Deus; a imersão nas águas do batismo é o fim da escravidão do pecado.

Morte, mal e pecado são vencidos: eis o dom do Ressuscitado. A nós, discípulos, é pedido que transformemos essa possibilidade em realidade, que realizemos na nossa vida a vitória de Cristo, oferecendo a nossa pessoa como espaço no qual ela se torna presente hoje.